Muitas leis brasileiras se constituem em conquista para a cidadania, apresentando concomitantemente um impacto jurídico, econômico e social. Assim, se insere nesse contexto a Lei 13709/2018, Lei Geral de Proteção de Dados, a LGPD.
Publicada em 14 de agosto de 2018 retrata um processo de debates e amadurecimento diante de outros marcos regulatórios que contribuíram para sua estrutura como o Marco Civil da Internet, Lei 12.965/2014 e o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8078/90. Contudo, sua vigência também seguiu um trajeto pontuado por uma complexidade ímpar, o que ocorreu de maneira escalonada.
Muitas são as razões desse protagonismo da LGPD, chegando a motivar a EC – Emenda Constitucional 115/2022 que incluiu um inciso ao art. 5º da Constituição Federal que assegura, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais. A proteção de dados expressamente está relacionada entre os direitos fundamentais, por consequência “possuem status normativo superior em relação a todo o restante do ordenamento jurídico nacional”.
Destaque-se na LGPD o fundamento da autodeterminação informativa, assim entendida como a forma de controle do cidadão (ã) sobre seus próprios dados, tanto os dados pessoais da pessoa natural como os dados sensíveis sobre sua origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural.
Entre outros esse é um ponto de convergência entre a política de proteção de dados pessoais e privacidade da Lei 13.709/2018 e a política de inclusão da pessoa com deficiência estabelecida na Lei 13.146/2015 que merece uma reflexão.
Dispõe o art. 63 da Lei 13.146/2015 que é obrigatória a acessibilidade nos sítios da internet mantidos por empresas com sede ou representação comercial no País ou por órgãos de governo, para uso da pessoa com deficiência, garantindo-lhe acesso às informações disponíveis, conforme as melhores práticas e diretrizes de acessibilidade adotadas internacionalmente. É um direito pleno da pessoa com deficiência, mas a implementação do comando legal o acompanha?
Pode-se dizer por meio de uma navegação intuitiva na internet que houve expressivo avanço, tanto que foi inserido na Lei 8078/90, Código de Defesa do Consumidor, o direito à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem de maneira acessível à pessoa com deficiência, observado o disposto em regulamento. Mas, muito há a ser feito pela acessibilidade da pessoa com deficiência.
Essa reflexão nos conduz a um segundo ponto: uma visão jurídica sistêmica. Dito de outra forma é importante que desde a elaboração legislativa até a promulgação de normas e legislações tenha-se clareza dos pontos de convergência das respectivas temáticas.
A implementação legal a critério exclusivo da interpretação em específico, muitas vezes lastreado pelo bom senso, é um caminho atrativo para a judicialização. Nessa lógica, é imperioso que a implementação de uma cultura de proteção de dados e privacidade dialogue com a política de inclusão da pessoa com deficiência, como também fortaleça espaços de exercício de direitos como as ouvidorias. A visão sistêmica é uma competência dos ouvidores previsto na CBO – Classificação Brasileira de Ocupações.
Uma referência é a plataforma integrada de ouvidoria e pedido de informação Fala.BR https://falabr.cgu.gov.br/publico/acessibilidade.aspx, mantida pela Controladoria Geral da União. Há um campo específico de acessibilidade, ou seja, oportuniza o registro de manifestações e pedidos de informação pública em campo específico, mais que um tutorial se constitui no reconhecimento da pessoa com deficiência.
A importância da acessibilidade digital se constitui em diretriz para que não haja barreiras na web com a inclusão social como consequência das ações adotadas especialmente na administração pública https://www.gov.br/governodigital/pt-br/acessibilidade-digital.
No mesmo grau de importância há que se mencionar a inclusão digital dos cidadãos (ãs) especialmente no ambiente de trabalho. A proteção de dados pessoais e sensíveis realçou ainda mais o ambiente digital, o que de imediato gerou discussões de exclusão dos profissionais seniores. No entanto, profissionais do mercado nos mostram que “dinamismo e transformação digital vêm se acelerando, o que demanda das empresas revisão de seus modelos de organização, buscando soluções no ecossistema e não apenas internamente, com forças de trabalho mais flexíveis e grupos de diversidade que não estavam antes na empresa”.
A Ouvidoria enquanto espaço de escuta qualificada no encontro de interesses divergentes e conflitantes, propicia uma segurança psicológica à organização e sinaliza por meio do estudo das manifestações uma visão estratégica na implementação de políticas públicas. Em síntese, é fundamental comemorar os avanços da cultura de proteção de dados e privacidade, que poderá ter no dia 14 de agosto consagrado como o Dia Nacional da Proteção de Dados conforme Projeto de Lei 2076/2022, sem descuidar da evolução das políticas públicas de inclusão e acessibilidade. O cenário para que as políticas públicas sejam efetivas exige uma “lógica sistêmica de efeitos sinérgicos”, oxalá em benefício de toda a sociedade!
Sobre a autora
Maria Lumena Balaben Sampaio Advogada, Especialista em Gestão Pública, Ouvidora Geral do Município de São Paulo, Suplente no Conselho Nacional de Proteção de Dados, Presidente da ABO São Paulo.
Referências bibliográficas
AMATO, Luciano. Coordenador. Diversidade e Inclusão em suas Dimensões. São Paulo, SP. Literare Books International. 2022. P.117.
LEONARDI, Marcel. Tutela e privacidade na internet. São Paulo, SP. Editora Saraiva, 2011. Pp. 67-68.
LOTTA.Gabriela. Organizadora. Teorias e Análises sobre Implementação de Políticas Públicas no Brasil. Brasilia. ENAP. 2019.P.127 .