Ela completou 30 anos em 2021, e ainda é muito pouco compreendida por alguns segmentos da sociedade. Foi ignorada nos seus primeiros anos de vida, quando ninguém seguia o que ela recomendava, até que em 2003, quando era uma adolescente de 12 anos, ela passou a vigorar e a ser fiscalizada.
Estamos nos referindo à Lei nª 8213, a Lei de Cotas, aprovada em 1991, como uma ação afirmativa que tem como objetivo evitar a discriminação e promover o acesso das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, por meio da recomendação de que empresas com 100 ou mais colaboradoras destinem de 2 a 5% de suas vagas, dependendo do número total de funcionários contratados, para pessoas com deficiência ou beneficiários reabilitados.
Inicialmente ignorada, ela começou a receber mais atenção com a aprovação, em 2003, da portaria nº 1199, que estabeleceu normas para imposição de multa administrativa variável para empresas que não cumprem o disposto no art. 93 da Lei de Cotas, que prevê o preenchimento do número de vagas destinadas a pessoas com deficiência. Mas mesmo com a fiscalização os números ainda são muito tímidos.
Prestes a completar 31 anos, em julho deste ano, essa senhora balzaquiana pede atenção de todos para algumas crenças sobre pessoas com deficiência que ainda persistem na sociedade, e que tem dificultado o movimento de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.
A primeira crença é a de que a deficiência seja considerada como uma doença ou uma limitação. Não é verdade, a deficiência é uma condição da pessoa, e o que causa a limitação é a falta de acessibilidade para que ela possa desempenhar suas funções, independentemente da área em que ela trabalha.
A segunda, mas não menos importante, é a de que não há pessoas com deficiência capacitadas para preencher as cotas. Porém, os números mostram o crescimento do número de matrículas de pessoas com deficiência no ensino superior aumentou quase 30% no período de 2013 a 2019, enquanto a contratação delas no mercado formal de trabalho aumentou apenas 20,3% no mesmo período.
Mas é importante que também vejamos o outro lado da moeda, que é o lado das pessoas que não tem deficiência, que por não ter experiência de convivência com pessoas com deficiência, possuem crenças e pré-conceitos sobre o que significa ter um colega com deficiência em sua equipe de trabalho. O medo do desconhecido é, em minha opinião, um dos fatores que mais atrapalha a inclusão, pois afastamos aquilo que desconhecemos, e com isso deixamos de aprender novas possibilidades de fazer as coisas. Pois trabalhar com pessoas com deficiência implica em aceitar um novo jeito de fazer as mesmas coisas, uma maneira diferente de se comunicar, um método alternativo de tornar uma informação acessível, e aprender um novo ritmo de trabalho, não dá para ligar o “piloto automático”. É um processo que demanda um tempo de adaptação, mas depois tudo se torna um hábito, a deficiência passa a um segundo plano, pois no relacionamento e na convivência, se constrói um vínculo com a pessoa, e não com a deficiência.
Eu termino este texto, perguntando o que você pode fazer para que um dia não precisemos mais convidar a jovem balzaquiana para fazer com que as contratações de pessoas com deficiência aconteçam. Talvez como gestor se abrir para esta possibilidade, como colega de trabalho aprender que algumas tarefas podem ser realizadas de uma forma diferente, em um novo ritmo.
Não é mais possível dividir em dois lados, os que têm deficiência, e os que não têm. Inclusão não tem lados, inclusão é estar junto, pode até demandar um esforço adicional de todos. Mas, no final todos saem ganhando, porque aprendem. E se aprendem, crescem. Isso sim, poderíamos chamar de inovação atitudinal.
A jovem balzaquiana quer passar, mas espera o dia em que a sua presença não seja mais necessária.
Sobre a autora:
Sueli Yngaunis
Relações Públicas pela FAAP. Mestre em Comunicação e Mercado pela Cásper Líbero. Doutora em Ciências, pelo Programa de Pós-Graduação Humanidades, Direitos e outras Legitimidades, do Diversitas/FFLCH/USP . Especialista em Propaganda e Marketing pela Cásper Líbero e em Docência no Ensino Superior pela Universidade Cidade de São Paulo. Coordenadora do Núcleo de Acessibilidade – NAce, da Universidade Cidade de São Paulo – UNICID. Professora em cursos de graduação e pós-graduação desde 2001, atualmente é docente na Universidade Cidade de São Paulo – UNICID. Membro da Comissão Própria de Avaliação, CPA da UNICID.