As startups alcançaram altos patamares nos últimos anos no Brasil. Algumas se tornaram unicórnios internacionais. Tudo era novo, aquele ambiente moderno, uma cultura diferenciada, acesso fácil aos líderes, transparência, bons benefícios, dentre outras vantagens super disruptivas.
Está certo que exigia um perfil acelerado, com atitude para muitas mudanças rápidas, mas que empolgavam os empregados, que se tornavam quase fãs e militantes das marcas e empresas.
Entretanto, nos últimos meses, centenas desses trabalhadores têm sido demitidos online pelas startups brasileiras, em uma onda que afeta também outros países, conforme mostra o quadro abaixo:
As empresas têm alegado dificuldades no cenário macroeconômico, associadas a natureza volátil de negócios novos e inovadores, o que é perfeitamente compreensível. Mas a análise que queremos fazer aqui é se estas demissões coletivas têm sido conduzidas de maneira adequada, com o respeito que os empregados merecem já que a proposta dessas empresas era justamente serem diferentes e engajarem os seus fan employeers de uma maneira completamente inovadora.
A onda de demissões coletivas em startups é um fenômeno global, resultado do aumento das taxas de juros pelos governos para combater a inflação, penalizando os investimentos de risco. A velha lógica de risco e retorno, pois para os investidores deixar o dinheiro em aplicações mais seguras, como títulos do tesouro e outras aplicações indexadas às taxas de juros, torna-se mais vantajoso que investir em uma startup ou no sistema produtivo.
A reforma trabalhista de 2017 equiparou a demissão individual e a coletiva, sem a necessidade de autorização prévia do sindicato profissional, o que foi ratificado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) esse ano, bastando uma comunicação aos sindicatos nos casos de dispensas coletivas. Entretanto, este entendimento ficou vazio no caso das startups, que são empresas jovens, com alta rotatividade, o que acaba enfraquecendo a representatividade sindical destes trabalhadores para a busca de alternativas ou melhores condições, como seria provável acontecer no caso de categorias fortalecidas, como por exemplo a dos bancários e metalúrgicos, em que há, de fato, relacionamento entre o sindicato e os representados.
Também não é verdade que todas as empresas têm adotado esse procedimento desumanizado. Algumas empresas têm feito um plano detalhado para lidar com a demissão coletiva, evitando a abordagem grosseira e online com todos simultaneamente na sala. Fazem conversas individuais, nas quais os demitidos podem se expressar, além de diversos outros benefícios concedidos para um período de adaptação.
Mas a demissão online é ilegal?
Não é exatamente isso, mas precisamos entender o contexto e forma de condução do procedimento. A Constituição Federal protege a dignidade da pessoa humana, que se aplica na relação de emprego à figura do trabalhador, cuja violação pode ensejar indenização por danos morais, por isso é vedada a conduta abusiva do empregador no exercício do poder de direção, assegurada pelo art. 2º da CLT, que concede os poderes de organização, disciplinar e de fiscalização, dentro destes parâmetros.
Isto porque o trabalho é um direito social fundamental garantido no artigo 6º da Constituição Federal, um mecanismo de inclusão social, de desenvolvimento pessoal e de subsistência. Exatamente por isso, a atuação da empresa, para que tenha validade jurídica plena, especialmente considerando o caráter protecionista da Justiça do Trabalho, deve se pautar no também constitucional “Princípio da Função Social” em todas as fases da relação de emprego, até mesmo quando decidir por encerrá-la. Assim, ainda que o empregador disponha do exercício do direito potestativo de dispensa, que goza de legalidade, esta gera impactos profundos na vida do colaborador, dependente econômico neste cenário, devendo ser conduzida com respeito e humanidade.
A lei estabelece prazos para a comunicação da dispensa e pagamento de verbas rescisórias, porém, sem formalidade específica. No caso da comunicação de dispensa por telefone ou reunião online, esta pode ser realizada, desde que sem configuração de conduta abusiva ou desmedida por parte do empregador.
A escolha por esta modalidade de comunicação não pode estar amparada por uma conduta assediadora, com excessos e sem razoabilidade, ou seja, o ato da dispensa remota, em si, não é ilegal, porém, a forma como o processo será conduzido pode se configurar como ilícito se o trabalhador for tratado de forma discriminatória, vexatória, que possa causar qualquer constrangimento (e não mero descontentamento). Lembrando que, sempre que for possível, é recomendável o deslocamento do trabalhador até a empresa para tratativas sobre a rescisão contratual, por ser a forma mais segura de conduzir este processo.
Além disso, não se recomenda dispensa em grupo, dê sempre preferência a uma comunicação e realização de procedimentos de forma individualizada, atendendo ao princípio da dignidade da pessoa humana do trabalhador e da valorização do trabalho em todas as etapas da relação jurídica havida entre a empresa e o colaborador.
Uma outra medida recomendada seria a condução da dispensa por um profissional de Recursos Humanos ou da chefia imediata, acompanhado pelo RH. Também é importante que a comunicação seja clara, cordial e breve e as orientações específicas encaminhadas por e-mail após a comunicação verbal.
Como medida excepcional, devido a questões de logística ou outro impedimento do empregado, optando pela dispensa à distância, a empresa deve agendar reunião prévia, informando que o tema do contato é de relevância e que o empregado deve estar em local privado e sem a presença de terceiros.
Esses cuidados são importantes para assegurar uma demissão humanizada, na qual haja espaço para a pessoa falar e é importante o interlocutor ouvir. A pessoa deve ser orientada adequadamente sobre os próximos passos, relacionados aos documentos e procedimentos de rescisão.
A empresa também precisa avaliar outros parâmetros que estejam em linha com a sua cultura, se apregoa aos quatro ventos por exemplo que está engajada em questões de sustentabilidade e buscando alcançar métricas de ESG, não deveria se ater apenas aos benefícios mínimos legais estabelecidos pela CLT. Deveria considerar benefícios adicionais de apoio nesse momento sensível, como extensão do plano de saúde, apoio à recolocação ou manutenção por um período de vale alimentação e auxílio educação.
Cuidar do encerramento do vínculo de emprego de uma forma humanizada e respeitosa deveria ser uma obrigação legal, mas independente disso pode ter efeitos na própria marca empregadora, pois a imagem da empresa no mercado é um dos seus maiores ativos, e uma saída desrespeitosa pode sim arranhar a imagem da marca perante a sociedade, além de criar um passivo trabalhista em eventual ação judicial com pedido de indenização por dano moral em favor do trabalhador ofendido.
Aliás, não é demais lembrar, que já temos decisões no judiciário condenando por assédio moral empresas que conduziram dispensas online ou por aplicativos de maneira desrespeitosa e desumanizada. Então, fique atento, cuide do seu maior ativo que é a sua marca e do principal insumo, que são as pessoas, mesmo na hora dolorosa de dispensá-los.
Sobre os Autores:
Helio Moraes e Vanessa Ziggiatti são membros do Squad de Compliance e Boa Práticas do HUBRH+ e sócios do PK Advogados.